
Maria Navalha é uma das Pombagiras mais enigmáticas da linha da Malandragem, personificando a astúcia das ruas e a força de quem enfrenta as adversidades com coragem. Seu nome remete à navalha — símbolo de discrição e eficácia, que a malandra oculta até o momento exato de agir, refletindo o princípio do “não sei, não vi” na prática da malandragem. Lendas diversas narram sua vida boêmia na Lapa carioca, marcada por abandono, violência e superação, até que, protegida por Zé Pelintra, recebe a lâmina que se tornaria seu patrono e arma simbólica de transformação. Hoje, é invocada nos terreiros de Umbanda e Quimbanda para quebrar laços tóxicos, trazer clareza em situações difíceis, e atrair prosperidade, sendo ritualizada tanto em sua forma “suave” (branca) quanto “fogo” (vermelha), conforme o grau de intervenção desejado.
Identidade e Simbolismo
Pombagira da Malandragem
No panteão das Pombagiras, Maria Navalha ocupa o arquétipo da malandra, atuando no limiar entre luz e sombra para proteger os marginalizados e exercer justiça imediata. Diferente de outras falanges, sua energia é incisiva, guiada pela navalha que representa tanto a autodefesa quanto o discernimento necessário para recuar ou avançar no momento exato.
A Navalha como Emblema
A navalha simboliza o código do silêncio — “não sei, não vi” — fundamentos da malandragem urbana: saber circular sem amarrar palavras, mantendo liberdade de ação e evitando armadilhas verbais. Em rituais, a lâmina é discreta, mas sua presença se faz sentir como um alerta de transformação e corte de energias negativas.
Contexto da Quimbanda
Embora partilhe elementos com a Umbanda, na Quimbanda Maria Navalha é vista como uma força original, mais próxima das raízes africanas e dos mitos de terror e redenção dos folclores ameríndios, mantendo a essência mais pura de “macumba” enquanto manipula energias no plano físico e espiritual.
Lendas sobre sua Origem
Várias tradições atribuem a Maria Navalha trajetórias distintas, mas todas convergem na ideia de uma mulher forte, forjada pelas ruas da Lapa. Uma das versões mais populares conta que, após ser atacada e quase violentada, ela é salva por Zé Pelintra — surgido em terno branco e chapéu — que lhe entrega a navalha para defesa, selando sua aliança com o malandro protetor.
Outros relatos situam seu nascimento em família abusiva no morro, de onde fugiu com a irmã, sobrevivendo como garçonete e dançarina em cabarés, sempre com a lâmina oculta sob a roupa, pronta para cortar ameaças e amarras emocionais. Em todas as narrativas, sua força brota da dor e da resistência, personificando a esperança de renascer mesmo após as violências mais cruéis.
Culto e Práticas
Formas de Trabalho
Em algumas linhas, distingue-se a Maria Navalha “branca”, voltada à proteção suave, e a “vermelha”, carregada de fogo e fúria para punir injustiças e romper obstáculos com vigor extra. As duas faces atuam de modo complementar: a primeira para amparar e curar, a segunda para cortar e abrir caminho.
Oferendas e Pontos Cantados
Nos altares, colocam-se velas vermelhas, bebidas fortes (cachaça ou conhaque) e defumações com ervas de coragem (alecrim, guiné) para firmar a incorporação e estimular sua presença intensa. Cantigas específicas (5 pontos de Maria Navalha) evocam seu ritmo de marcha e sua energia incisiva, mesclando cantos de Exu e trechos de malandragem.
Intervenções e Pedidos
Consulentes buscam Maria Navalha para:
- Proteção contra traições e rompimento de vínculos tóxicos, utilizando a lâmina simbólica para “cortar” relações nocivas.
- Clareza de discernimento, o “ouvido fino” na malandragem, pedindo visão sobre intrigas e planos ocultos.
- Prosperidade financeira, pois sua energia se associa a espíritos que atuam na área do dinheiro, abrindo caminhos para o ganho honesto e a recuperação de recursos.
Representações nos Terreiros
Durante giras de Umbanda e trabalhos de Quimbanda, médiuns incorporam Maria Navalha vestindo vermelho e preto, empunhando navalhas cerimoniais de metal leve, e dramatizando as fases de defesa e cura ― ora cortante, ora sedutora ― para equilibrar o agudo da lâmina com a suavidade do renascimento espiritual.
Sua postura mistura a confiança da malandra com a compaixão da pombagira, reforçando a ideia de que a navalha não é só arma, mas também instrumento de libertação e transformação interior.
Maria Navalha, em sua dualidade de guerreira e curadora, convida cada um a empunhar sua própria “navalha” simbólica, cortando o que impede o crescimento e abrindo espaço para renascer mais forte.